Afinal, o que é fantástico? – Parte 10 (Final)

Afinal, o que é fantástico? – Parte 10 (Final)

Literatura Fantástica  Brasileira

Chegou ao momento de falarmos um pouco sobre o que é produzido aqui no Brasil! \o/

E, caso você seja aquela pessoa que ao ler o título do post se perguntou ‘mas, existe literatura fantástica produzida no Brasil?’, já vamos adiantar que existe, sim, muita literatura, e que não é algo recente! 😀

Então, para esse post, vou trazer aqui as palavras dos especialistas sobre o assunto, através do livro Fantástico brasileiro: o insólito literário do romantismo ao fantasismo, do Bruno Anselmi Matangrano e do Enéias Tavares, publicado em 2018 pela editora Arte & Letra. Vou fazer um resumo muito resumido, só colocando os destaques que eu achei mais interessantes reunir para repassar um pouco de conhecimento sobre. Então, super recomendo que busquem esse livro! Principalmente quem é escritor de fantasia, para entender em que ponto nos situamos dentro desse universo de produção, conhecer quem já colocou os tijolinhos nessa construção, e saber como podemos ajudar a fortalecer esse cenário.

Como já coloquei na introdução, usarei os dizeres do livro. Todos os trechos transcritos do livro estarão em itálico (e destaque nos pontos que acho que devem ter destaque 😀 ).

(…) quase tudo o que hoje é considerado fantástico foi um dia considerado verdade no campo da religião, crença ou da superstição. Resumindo esse percurso: nasce a religião dos mistérios não solucionáveis pela ciência e pela lógica; o tempo traz novas descobertas e conhecimentos; parte das crenças religiosas é posta de lado, tornando-as mito e lendas que, de forma nebulosa, se mesclam com o passado histórico, permanecendo como crenças populares. Com o tempo, os mitos cristalizam-se, surgem variantes e versões, perdendo toda a relação com a realidade; por fim, tornam-se um tema ou tópos, que, invariavelmente, é aproveitado pela arte, sobretudo pela literatura e pintura.

Insólito literário

“ O fantástico (…) é caracterizado por uma invasão repentina do mistério no quadro da vida real.”

Nesse sentido, pode-se dizer que existem, no mínimo, dois sistemas narrativo-literários: um real-naturalista, comprometido com a representação referencial da realidade extratextual; outro insólito – ‘não real-naturalista’ –, que prima pela ruptura com a representação coerente, congruente, verosímil da realidade extratextual”

No Brasil, costumamos estudar as Escolas Literárias “clássicas” (Romantismo, Realismo, Parnasianismo etc). Contudo, a produção literária durante todos os períodos de cada uma dessas Escola não se resume às literaturas que se enquadram dentro das especificidades determinadas por elas. Existem aquelas que nãos se relacionam em nada com o que se considera uma literatura produzida no momento, aquelas que transitam ou mesmo aquelas que apresentam apenas algumas características. O fato é que, em todas as Escolas, obras que estavam mais próximas de ser consideradas Fantásticas não são mencionadas ou estudadas. Isso acaba gerando não apenas um desconhecimento, como pode renegar a obra ao esquecimento, independente da sua qualidade literária.

(…) Augusto Emílio Zaluar (1825-1882), escritor português naturalizado brasileiro, autor do romance Dr. Benignus, publicado em 1875 e considerado o primeiro livro de ficção científica brasileiro.

Pré-Modernismo no Brasil

Para continuarmos falando de literatura de fantasia produzido no Brasil, também é necessário falar um pouco sobre o ponto de ruptura que tivemos com o pré-modernismo, que fez a literatura visar muito mais o que se era produzido internamente do que reparar nas tendências europeias ou mesmo nas literaturas dos nossos vizinhos latinos. Isso porque nesses vizinhos aconteceu a Literatura Mágica, que não é exatamente a Fantástica como pensamos hoje, mas que tinha sim fantasia em seu enredo. Ainda que essa ruptura tenha acontecido, existem trabalhos que brincaram com essa ideia de “irrealidade”.

O que se chama de pré-modernismo no Brasil não constitui uma Escola Literária. Pré-Modernismo é, na verdade, um termo genérico que designa toda uma vasta produção literária, que caracteriza os primeiros vinte anos do século XX. Nele é que se encontram as mais variadas tendências e estilos literários – desde os poetas parnasianos e simbolistas, que continuavam a produzir, até os escritores que começavam a desenvolver um novo regionalismo, alguns preocupados com uma literatura política e outros com propostas realmente inovadoras.

Pode-se dizer que a escola começou em 1902, com a publicação de dois livros: “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e “Canaã”, de Graça Aranha, e se estendeu até o ano de 1922, com a realização da Semana da Arte Moderna.

Apesar de o pré-modernismo não constituir uma Escola Literária, apresentando individualidades muito fortes, com estilos às vezes antagônicos, percebe-se alguns pontos em comum entre as principais obras pré-modernistas:

  • – Redescoberta do Brasil pela literatura;
  • – Revolução temática;
  • – Preocupação com a realidade nacional;
  • – Evidencia seus aspectos mais tristes e pobres;
  • – O sertanejo não é mais servil e ordeiro, o suburbano não é mais alegre e expansivo; o caipira não é mais saudável e trabalhador. A imagem que essas personagens passam a representar liga-as à decadência, ao desmazelo, à ignorância;
  • – Regionalismo crítico;
  • – Denúncia social explicitando as razões do nosso atraso, discutindo alternativas;
  • – Linguagem oscilante;
  • – Não chegou a constituir escola por não ter uma estrutura definida;
  • – Momento importante para o desenvolvimento das letras;
  • – Principais representantes: Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Augusto dos Anjos, Graça Aranha.
  • – A Semana de Arte Moderna ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922, tendo como objetivo mostrar as novas tendências artísticas que já vigoravam na Europa. Esta nova forma de expressão não foi compreendida pela elite paulista, que era influenciada pelas formas estéticas europeias mais conservadoras.
  • – Em um período repleto de agitações, os intelectuais brasileiros se viram em um momento em que precisavam abandonar os valores estéticos antigos, ainda muito apreciados em nosso país, para dar lugar a um novo estilo completamente contrário, e do qual não se sabia ao certo o rumo a ser seguido.
  • – No Brasil, o descontentamento com o estilo anterior foi bem mais explorado no campo da literatura, com maior ênfase na poesia. Entre os escritores modernistas destacam-se: Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida e Manuel Bandeira. Na pintura, destacou-se Anita Malfatti, que realizou a primeira exposição modernista brasileira em 1917. Suas obras, influenciadas pelo cubismo, expressionismo e futurismo, escandalizaram a sociedade da época. Monteiro Lobato não poupou críticas à pintora, contudo, este episódio serviu como incentivo para a realização da Semana de Arte Moderna.

Literatura de cordel

Além disso, no século XX, vemos a própria noção de literatura nacional se sedimentar, sobretudo com o advento do Modernismo, em suas várias fases, quando a paisagem local, com sua cultura, costumes e particularidades, passa a ser cenário de narrativas das mais diversas, não mais como algo exótico – segundo o olhar europeu –, mas de fato como a realidade brasileira.

Se antes podíamos falar de um imaginário brasileiro, no século XX talvez caiba melhor pensar em imaginários, com diferenças culturais marcadas por regionalismos, origens diversas, classes sociais e afiliações estéticas.

(…) ao longo do século XX, muitos autores se voltaram aos modos narrativos do insólito ficcional, em particular, durante a ditadura militar (…). Isso se deu como forma de manifestar a desaprovação o regime e, ao mesmo tempo, escapar das retaliações e da censura, culminando numa primeira “aproximação entre FC e mainstrean literário nacional”.

Obras “clássicas” que podem ser consideradas como
Literatura Fantástica Brasileira

Antes, alguns pontos importantes sobre entender a Literatura Fantástica no Brasil:

(…) descobrir autores e obras se debruça sobre a redescoberta de livros e autorias já consolidados, mas cuja dimensão insólita foi ignorada ou apagada dos manuais críticos.

E

(…) a relação intrínseca entre a literatura infantil e o fantástico.

Incidente em Antares (1971) – Érico Veríssimo

O fantástico, aqui o realismo maravilhoso, é utilizado no romance como forma de burlar a censura que proibia a veiculação de obras cujo tema fosse a situação política do País.

Sobre O Sumiço da Santa: uma história de Feitiçaria

Amado capta essa atmosfera de milagres e encantamentos tão natural ao povo baiano e transmite a sensação de que os milagres fazem parte do cotidiano local, já não causa espanto que tais fenômenos possam ocorrer.

Memórias Póstumas de Brás Cubas

A vida de um zumbi antes da morte, narrada por ele mesmo.

Sítio do Pica-pau Amarelo

Lobato é conhecido por ter feito o que praticamente ninguém fizera ainda em terras tupiniquins: escrever livros para crianças.

Coleção Vaga-lume

A coleção de livros lançados pela Editora Ática, que marcou gerações com narrativas ágeis e inteligentes, muito utilizadas em escolas.

A partir dessas iniciativas, nomes como de Pedro Bandeira, Lygia Bojunga e Joel Rufino dos Santos, entre tantos outros, têm se tornado dignos de nota por sua importante contribuição às letras nacionais e à imaginação de meninos e meninas, jovens e adultos. Afinal, o fantástico brasileiro buscado por todos nós – enquanto professores, autores, editores e leitores – passa obrigatoriamente pela valorização dessas obras na escola e em casa, na pessoa dos pais e parentes leitores. Indo ainda mais longe, podemos dizer que o próprio futuro do nosso país depende dessa questão.

Na virada do milênio, não apenas as novas tecnologias de impressão como também o impacto da internet na difusão de novos saberes, livros e autores, mudaram substancialmente a forma como a literatura passou a ser difundida e noticiada entre públicos leitores e não leitores.

E, como esse post já ficou muito gigante, vou encerrar nesse ponto todo essa série de posts falando sobre Literatura Fantástica. Mas, não se preocupem, que não é o fim definitivo: logo traremos mais conteúdo sobre esse assunto, e voltaremos para falar sobre os escritores que contribuíram para livros de fantasia brasileira ganharem destaque no mercado editorial.

Por enquanto, fica o meu agradecimento por acompanharem até aqui e espero ter contribuído um pouco para o conhecimento de todos sobre esse assunto! 😀

Até uma próxima vez! \o/

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